domingo, 18 de março de 2012

For Sasha

É, certamente, uma das músicas mais lindas que já ouvi em toda minha vida.Não sou a melhor pessoa para falar de música, mas é inegável que algumas pessoas têm o dom de tocar a alma daqueles que os ouvem e despertar sentimentos dos mais variados. Joan Baez é uma delas. Por isso, ouça.

 


For Sasha

Joan Baez

Here by my window in Germany
A morning bird flies close to me
On his wing I see a yellow star
The lights are on in the factory
The frost is hung on the linden tree
And I remember where we are
And I remember the holocaust
I remember all we lost
The families torn and the borders crossed
And I sing of it now for Sasha
A young German officer lies in his bed
Bandages from toe to head
A prisoner of the camps draws nigh
If you are Abel and I am Cain
Forgive me from my bed of pain
I know not why we die
It was I who ordered the building burned
The job was over and as I turned
A father and his son
Caught in the flames high above the ground
From cradled arms the boy looked down
One leap and their lives were done
And I remember the holocaust
I remember all we lost
The children gone and the borders crossed
And I sing of it now for Sasha
You in frozen streets of Heidelberg
Your youth unbearded takes form in words
And the ghosts of the past are kind
For this was your university
The years were long but the spirits free
And your river runs to the Rhine
The smoke filled taverns that you once roamed
With the discontented who'd stayed at home
You must have whiskey or you'll die
The beer garden under the old chateau
Our faces now in the candle glow
See the memories how they shine
But you remember the holocaust
You remember all we lost
The families torn and the borders crossed
And we'll sing of it now for Sasha



sábado, 17 de março de 2012

Os sons e o sonhador


Depois de muito tempo resolvi postar um de meus textos. Dessa vez não tinha nada do que falar ...

_Hoje a comida estava especialmente deliciosa, mãe, apesar do gosto de pólvora quase imperceptível. Tudo estava exatamente como eu gosto: as batatas, o arroz. E o tempero estava divino como sempre. Comi calmamente como a senhora sempre me aconselha. E houve aquela sensação de que o tempo andou mais lento essa manhã enquanto eu saboreava minha refeição e olhava em seus olhos a sorrir, enquanto você me sorria de volta. Obrigado por tanto zelo, por ainda estar aqui junto a seu filhinho, especialmente agora em que as coisas não tem andado tão fáceis. Papai está desempregado de novo, mas seus doces vendem como água, não é?
O suor escorrendo pela testa sob um calor escaldante, algo por volta de 38 graus, e aquele ambiente abafado, o sol a pino.
_Hoje eu teria conseguido mais, mas a senhora não gosta que eu fique tanto tempo na rua _ pausa e o silêncio. _ A senhora não tem a mínima idéia dos verdadeiros perigos lá fora, minha mãezinha.
_ Não tenho conseguido escovar os dentes frequentemente, mamãe. Espero que não se zangue. Vê como eu tenho crescido? Daqui a uns dias papai se envergonhará de estar a meu lado, não aguentará ter de erguer os olhos sempre que quiser falar comigo. O sol está entrando por pequenas frestas nas copas das árvores, e vê mãe, como é densa a floresta aqui?
Morteiros explodem a 120 metros dali.
_ Esconda-se mãe. Aqui não é seguro _ grito a ela enquanto me viro para armar-me de minha ponto trinta.
Explosões aqui e ali estremecem as posições, mas a pontaria é imprecisa e os riscos são mínimos. Baseados no topo dessa montanha, a visão privilegiada de todo o campo abaixo de nós torna-nos um ponto, senão intransponível, pelo menos extremamente difícil de ser vitimado pelo fogo inimigo. Nessa região de densas florestas espalhamos nossa artilharia estrategicamente, fazendo com que a subida seja penosa e extremamente delicada. Estamos aqui situados há três meses e todas as tentativas do exército inimigo em avançar tem se mostrado inúteis. Clareiras foram abertas por nossos bombardeiros ao pé da montanha e inúmeras minas plantadas, o que faz com que qualquer oficial bem informado tema a missão de tomar nossas posições. Estamos invisíveis por entre as árvores e eles fadados ao fracasso no caso de uma tentativa de ataque surpresa. Podemos avistá-los à distância de 8 km e estando ao alcance de nossas armas perecem sem a mínima chance de sucesso e até mesmo bombardeios aéreos tornam-se ineficazes. Esperamos sempre o próximo ataque desnorteado, sem rumo e orquestrado pelo acaso. Religiosamente após o meio dia atacam-nos com uma ferocidade que impressionaria a qualquer espectador alheio ao nosso ofício. Parecem tentar adivinhar nossas posições, mas os pobres coitados só conseguem nos divertir com suas inúmeras investidas frustradas.
Defendemos um ponto extremamente importante, situado entre cadeias de montanhas a nossas costas, onde possuímos pesada artilharia antiaérea e um extenso descampado que se espalha por cerca de 20km a nossa frente. Por essa região trafegam inúmeros caminhões carregados de suprimentos e munições, evitando-se assim a passagem pelo campo aberto, onde estariam completamente desprotegidos e, embrenhando-se em pequenas estradas que cortam as matas, seguem cerca de 23km até chegar a um centro de disputas ainda mais feroz do que o qual nos situamos. Nosso exército avança por ali a muito custo e somos nós os responsáveis pela defesa dos comboios que seguem todos os dias em meio a essas montanhas e sem os quais nossos soldados morreriam pela fome ou em combate pela falta de munições; e, enquanto isso, nós permanecemos em nossas posições, rindo e debochando das ofensivas inimigas.
As explosões continuam e uma densa fumaça se forma por entre a mata a nossa frente. Nada que nos assuste. Nossa artilharia investe pesado e acaba por silenciar nossos ofensores após cerca de uma hora e, pelo que imagino, contabilizam três ou quatro baixas como é de costume. Temos a sorte e a estratégia superior em nossas mãos, além de um ótimo campo de visão.
As noites aqui têm sido agitadas, pois aumentaram as ofensivas noturnas, na crença de nossos opositores em ser mais fácil avançar protegidos pela escuridão. Tento nos momentos mais furiosos de batalha imaginar que não luto uma guerra de outros, mas sim uma partida de um jogo qualquer, onde os perdedores apenas deixam o campo, o que na verdade o fazem, mas em caixões de madeira ou transportados em seus veículos de apoio e transporte de feridos debaixo de rajadas de fogo incessantes que lançamos sem a menor cerimônia, sem o menor remorso, como nos ensina o “código”. Na noite, como estrelas cadentes que sobem de volta ao céu, vemos clarões de fogo varrer o espaço aéreo, contra-atacando os bombardeiros que tentam, em vão, retirar-nos de nossa tão privilegiada área, mas não conseguem penetrar o suficiente em nosso território e vêm-se obrigados a retornar sem nenhum êxito. Abatemos um deles na semana anterior e três caças que o escoltavam foram surpreendidos a leste daqui e pudemos ver o espetáculo aéreo bem de perto, proporcionado pelo combate feroz entre nossos aviões e os deles. Naquela tarde vimos dois esquadrões inteiros deslocarem-se indefesos pelo rio a 10 km daqui, e nossos aviões empenhados em defender-nos não puderam opor-se à ofensiva. Vimos, apesar disso, uma grande carnificina. Nossos obuses situados a menos de três quilômetros a oeste dali despejaram sobre o rio todo seu poder de fogo, o que nos faz pensar, se realmente, nossos inimigos possuem, ainda, inteligência militar. Parecem atacar sempre a esmo e, por vezes, sua coragem exacerbada torna-se seu pior inimigo. Diferente dos regimentos situados a oeste daqui, nossos opositores não conseguem causar baixas significativas em nossas tropas.
O som infernal de rifles, metralhadoras e granadas explodindo por toda parte dá espaço agora a um silêncio inquietante, onde a expectativa em algo mais ousado vindo das linhas inimigas a nossa frente faz-nos atentos a qualquer movimento e prontos para voltar a despejar nossa artilharia sobre eles. Parecem recuar. Voltamos a atacá-los e realmente recuam. Encerram-se os ataques cerca de duas horas depois dos primeiros morteiros.
_ Mamãe, a senhora já pode sair daí. Não nos atacam mais e o sargento disse que devemos manter as posições e ficar de olhos bem abertos a qualquer movimentação estranha. Coisa usual.
Ela sai do meio dos arbustos com seus olhos assustados e desnorteada e posso ver o medo que parece aflorar-lhe à pele. Traz nas mãos um terço e acredito que ela tenha passado todo esse tempo, desde o começo da ofensiva, a rezar.
_ Faz bem, mãe. Somente Deus pode olhar por nós aqui. O filho de Dona Flor morreu e mais outros três foram levemente feridos. Um dos morteiros lançados pelos nossos inimigos caiu nas proximidades. Tudo bem! Eu nem era tão amigo dele. Lembra como ele era chato e vivia fazendo travessuras pela vizinhança? Pois é. Agora não vai mais aprontar com ninguém, não é mãe?
Mamãe ainda parece assustada, rezando copiosamente seu terço, sentada sobre um tronco caído. Tenho medo que ela não esqueça tudo que viu aqui. Tem sido dias difíceis. Algumas mortes, insignificantes se comparadas às causadas ao outro lado dessa guerra, mas ainda assim nunca são bem vindas. E tenho visto a cada dia os olhos de mamãe sumindo, tornando-se cada vez mais negros e distantes. Ainda permanece a meu lado a rezar, mas posso perceber que aquela inocência de senhora do interior já se foi a muito. Corro minhas mãos em seus cabelos e retiro algumas folhas secas que se prenderam a eles enquanto se escondia em meio aos arbustos. São cabelos grisalhos, soltos e pouco abaixo dos ombros, e uma pequena mecha lhe cai sobre a testa; os olhos têm um tom castanho escuro debaixo de uma fina sobrancelha, também grisalha; sua boca é pequena e seus dentes perfeitamente alinhados, mas já um pouco amarelos como é de se esperar em sua idade. Mamãe, até mesmo ali, mantém toda sua elegância. Mas há dias não troca o vestido. É claro que não há guarda-roupas aqui nesta floresta.
Pela manhã dois grupos de combate e uma unidade básica de engenharia descerão a montanha rumo ao rio a nossa frente. A missão é simples. Construir uma ponte móvel para a travessia de tropas e suprimentos e assegurar o perímetro contra as investidas do exército inimigo. Essas são as ordens repassadas a nós pelo oficial responsável por nosso pelotão. Começo a recolher a munição necessária e peço a minha mãe que continue a rezar por nós. Sairemos antes do nascer do sol, muito provavelmente antes das quatro da manhã. Enquanto reviso todos os suprimentos necessários começo a me lembrar das canções que minha doce mãezinha entoava em nossa casa. Sempre acordava ao som de sua voz melodiosa. Tudo em minha mãe era harmonioso e belo, parecia um anjo e talvez o fosse. Estava lá ao meu lado no momento em que eu mais precisava de seu conforto.
Sentei-me junto a ela naquela tarde e rezei, apesar de não ter uma forte crença de que Deus estava ali em meio a tanto sangue e tanta blasfêmia, e por vezes pensei: “em que seriamos melhores a Seus olhos do que aqueles que nos atacavam ferozmente?” Éramos, todos, filhos do mesmo deus, e como Ele poderia olhar com maior benevolência a uns do que a outros? Mas ali permaneci por horas, apenas sentado acompanhando minha triste mãezinha em suas orações. Ali estava ela, muda, apenas balbuciando palavras e sem emitir qualquer som que fosse. Já não me olhava mais nos olhos. Tinha-os sempre fixos no horizonte a sua frente. A guerra afligia-lhe o coração e a alma parecia despedaçar-se a cada novo dia.
_ Mas iremos avançar, mamãe. Sairemos desse local, mudaremos de ares. Uma nova casa nos fará bem. Certamente não teremos uma vista tão privilegiada como esta, mas estaremos à beira de um rio. A senhora poderá molhar os pés pela manhã e quem sabe a tarde nós possamos sair e pescar um pouco. Alegre-se, vamos!
Mamãe ensaia um sorriso tímido e desta vez com o olhar baixo continua a correr levemente os dedos sobre as contas do terço.
A noite começa a cair e, com ela, uma quantidade inimaginável de para-quedistas despejados por seis C130 escoltados por oito caças que manobram no céu esquivando-se dos ataques de solo e enfrentando de igual pra igual nossos aviões de interceptação. As tropas que descem do céu agora avançam com grande velocidade em nossa direção pelo descampado, safando-se das bombas atiradas contra eles e atacam-nos pelo flanco direito, um pouco distante de nosso alcance, o que não nos impede de desferirmos sobre eles nossa artilharia. Protegidos pela noite, esgueiram-se por entre a mata, subindo aos poucos, galgando posições debaixo de chuvas de morteiros e granadas, além de constantes rajadas de ponto trinta e ponto quarenta, vindas tanto do flanco a frente da investida quanto das áreas vizinhas a ele. Ouvimos pelo rádio que chegaram até mesmo ao combate direto, homem a homem, com dois esquadrões situados um pouco abaixo da área onde estão concentrados os obuses e a maior parte do efetivo daquele ponto específico, juntamente com a bateria anti-aérea. Ao que tudo indica o combate dessa vez será mais intenso e esperamos um ataque também vindo do flanco esquerdo e com certeza nos atingirão em meia hora ou pouco menos. Parece um ataque maciço e vemos aviões cruzarem o céu saindo de nossas linhas, muito provavelmente para a interceptação de um ataque aéreo vindo a nossa frente, o que nos é confirmado pelo rádio. Com certeza avançaram e avançam, também, pelo rio em pequenos botes. Tanto em ar como em terra fomos surpreendidos e até mesmo nossas minas terrestres não detém a ferocidade desse exército. Não há sutileza nesse ataque e nem tão pouco podemos dizer se estão ou não em vantagem nesse momento. Sabemos apenas que se realmente almejam uma tomada brusca de posições enfrentarão forte resistência e será preciso mais que dois ou três ataques aéreos e com certeza os homens logo abaixo da montanha terão de superar seus medos e colocar-se frente a frente com a morte. E não é exatamente isso que fazemos em nosso dia a dia aqui? Mas nesse momento não parecemos mais tão invulneráveis. Pelo menos eu, subestimava a audácia do exército inimigo. Um ataque maciço, não era de forma alguma esperado, visto que as baixas seriam incalculáveis e com certeza serão.
Olho em volta e não consigo ver a figura de minha mãe. De repente um clarão a minha frente revela-me seu vulto correndo por entre as árvores, descendo a montanha, e sumindo novamente em meio a escuridão.
Corro procurando desviar-me da vegetação. Deixo minha ponto trinta e tenho agora um rifle.
_ Mamãe! _ grito desesperado enquanto a procuro em meio àquele turbilhão de acontecimentos e vejo clarões a iluminar o perímetro, vindos de todos os lados. Bombas chovem sobre nós e minha mãe perdida na mata. Ouço os soldados e, nitidamente, a voz do sargento a gritar meu nome.
_ Volte mãe. Por favor, fica comigo. O pai deve estar voltando. Ele nos trará chocolate, mamãe. Fica aqui comigo _ e as rajadas continuam por todos os lados. Os gritos desesperados daqueles muitos atingidos se juntam aos meus.
Um clarão ainda maior do que os anteriores se forma e vejo toda a vegetação a minha frente clarear-se e posso nitidamente ver todos aqueles que tentavam me acalmar, seus olhos de desespero, a fumaça em volta. Mas não a vejo. De repente nada mais é ouvido: nem meus gritos, nem as rajadas, nada... Um vácuo parece se formar ao meu redor e nada mais ecoa em meio à floresta. Fecho meus olhos e recolho-me à paz daquele silêncio.
Sinto uma mão a percorrer meu rosto e com muita dificuldade meus olhos se abrem e um vulto desvia-se do meu campo de visão. Demoro a me acostumar com o ambiente iluminado e vejo que tenho uma luz forte sobre mim. Meu corpo permanece imóvel e sinto cada parte dos meus ossos doer. Não sinto uma de minhas pernas. Viro-me com muita dificuldade de lado e lentamente começo a distinguir os vultos e me vejo em uma enfermaria. Os pássaros cantam do lado de fora. Muitos outros feridos, assim como eu, estão deitados a receber cuidados de uma senhora de cabelos grisalhos, que posso perceber apesar de meus olhos ainda receosos em meio a tanta luz. Encontra-se de costas no leito ao lado do meu, ao que parece, a medicar um outro paciente. Os cabelos grisalhos, a estatura mediana. E de repente me veio à mente todo o acontecido e agradeço a Deus por ela não ter realmente se perdido em meio à mata durante o ataque.
_ Mamãe! _ chamo por ela. Mas ao virar-se vejo a figura de uma velha enfermeira.
_ Tudo bem, senhor! _ ela me diz. _ acalme-se. Amanhã mesmo o senhor voltará para sua casa e sua família.
Ao certo ela me espera...