Havia nos
bolsos do jovem terráqueo, cerca de cinco moedas intergalácticas, além de
alguns documentos e um ticket de passagem para a última nave interespacial a
sair no segundo dia do quinto ciclo lunar terrestre, quadragésimo sexto período
crepuscular da 7ª lua do grande corpo celeste conhecido como Thiremir, o
planeta mais próximo da estrela Cártase 32, planeta onde ele se localizava em
exílio desde que a Imperatriz Eterna tomara em golpe o Púlpito de Cristal,
centro de poder dos Sete Universos, através de uma manobra que, ao contrário do
que tem se pregado, entrará na história como um dos maiores desastres políticos
desde o malfadado levante dos planetas gêmeos de Manarat.
A nave com
capacidade para mil trezentos e vinte passageiros e carga superior a mil e
setecentas toneladas sairia em poucos instantes e o pobre rapaz não tirava os
olhos dos letreiros luminosos que anunciavam de tempos em tempos o resultado
dos embates travados no frio espaço que se estendia anos luz da grande
construção pressurizada em que se encontrava, mas perto o bastante para fazê-lo
tremer diante da expectativa pela convocação iminente ao serviço militar
estendido, que consistia em chamar à ativa todo aquele que fora dispensado do
serviço militar regular a menos de quatro anos.
O Multiverso
se tornara apinhado de grandes batalhas e acalorados debate na Câmara dos Sete
Reinos; mas nada disso era maior do que o que esperava o jovem terráqueo
justamente em seu planeta de origem. Ele temia mais do que o serviço dentro dos
grandes cruzadores, o desfecho de sua viagem. A própria aterrissagem e os
caminhos áridos que percorreria enfurnado em um dos transportadores terrestres,
até um dos poucos locais preservados daquele planeta desde a última grande
guerra o fazia sentir dores nos ossos e a não tirar as mãos dos bolsos de seu
fugaz casaco de pele de tridon. Apesar de toda a apreensão, havia em seu olhar
um misto de contentamento inenarrável, e nos seus lábios uma pequena alusão a
um sorriso contido, mas sincero. Ele sabia o que o esperava e a sua inquietação
denotava todo o seu despreparo.
O trabalho nas
minas o fizera parecer mais velho do que realmente era. Na verdade, não passava
de um garoto que aprendera a se virar logo cedo, e que vira todo o seu vilarejo
ser destruído quando forças fiéis à Imperatriz Eterna suspeitaram de que ali se
abrigava um dos rebeldes que lutavam pelo restabelecimento da ordem anterior.
Ele próprio pretendia ser um dos muitos que pegam em armas, juntando-se aos
exército instalados nos planetas congelados da estrela anã de Palora;
certamente, um ofício melhor do que o de mineiro, trabalhando para a
sanguinária déspota. O que mais corroia o coração de nosso jovem herói era
saber que havia se apaixonado justamente pela filha mais jovem da mulher que
massacrava reinos inteiros com seu esbravejar maldito nas audiências e
plenárias na Câmara dos Sete Universos. A conhecera quando esta, em uma de suas
conhecidas aventuras, adentrara clandestinamente e sem o conhecimento da mãe em
uma nave interespacial, fazendo o caminho entre a Terra e a Sétima Lua de
Thiremir.
Neste dia, ele
queria pegar logo a nave e adentrar o buraco de minhoca que conduzia até o seu
planeta natal e, despojado de todo o medo que o tomava, enfrentar a realidade
como o grande homem que ele sabia ser.
Quando o sinal
de embarque tocou, ele já se encontrava de pé. Viu passar diante de si alguns
reptilianos mal encarados, três ou quatros plasmóides — não os distinguia bem
um do outro, devido ao seu aspecto gelatinoso, nem tampouco quantos haveriam de
ser —, as lindas Pértipas e seus elegantes acompanhantes, todos se dirigindo
para o mesmo Universo, num vôo de muitas escalas, como o é o de classe
econômica. Embarcou e o frio na barriga só aumentava. A seu lado uma terna
companhia, mas não é de interesse ao presente relato apesar de sua
grandiosidade, sabedoria e encanto.
Os grandes
motores de nêutrons foram ligados — extremamente silenciosos — perceptíveis
apenas devido à tremulação das imagens ao redor, proporcionada pelas ondas
expelidas pelas turbinas da nave. Uma gigantesca porta de metal, extremamente
grossa foi fechada atrás da nave, e a redoma de vidro foi aberta à sua frente;
a nave levantou vôo lentamente deixando para trás a base de lançamento
localizada na última camada atmosférica da Sétima Lua. Já a uma boa distância
do empuxo gravitacional das luas e em especial de Thiremir, os motores
cyberespaciais foram ligados, o levando até os grandes arcos do Buraco de
Minhoca do Quadrante Cinco do Septuagésimo Terceiro Corte Einsteniano do
Multiverso. As pernas trêmulas mal se continham até o momento em que foram
fechadas todas as janelas da nave a fim de proteger os olhos dos viajantes da
grande rajada de cores proporcionada pelas estrelas passando a altíssima
velocidade e tão próximas da nave. Cerca de dez horas terrestres e a nave
chegou à Via Láctea e após algumas paradas seguiu para a Terra.
O coração do
jovem parecia suportar uma grande pressão, bombeando sangue freneticamente,
como se o perigo rondasse o seu caminho. Mas a beleza do que viria após o
desembarque e a viagem pelas estradas congeladas daquele que até pouco tempo
atrás fora um dos mais prósperos planetas do Segundo Universo, não poderiam ser
ilustradas ou mesmo resumidas em um simples relato.
Enquanto
olhava as montanhas a reluzir à luz do Sol, firmes e imponentes erguendo-se
atrevidas contra o céu alaranjado e salpicado por aves glaciais, ele
imaginava-se um grande herói cruzando em um trenó as planícies geladas,
acompanhado apenas de uma arma de plasma, prestes a tomar de assalto mais uma
das fortalezas da Imperatriz Eterna — Ah, esses malditos pensamentos que tem
tomado conta de suas horas de ócio!
Mais alguns
instantes e ele se via de pé com sua parca bagagem e seu fino casaco,
enfrentando um frio cortante, frente a uma grande muralha que se estendia para
além do alcance de sua visão. Apenas um grande portão e alguns passos o separavam
do fim de sua jornada. Um misto de contentamento, de medo, de incredulidade o
mantinha de pé e relutante, açoitado pelas frias rajadas de vento daquela
manhã. E como que por um passe de mágica, a pesada peça de metal maciço se
abriu revelando atrás de si um suntuoso palácio, precedido por uma escada no
final da qual estava, com um sorriso doce, a filha da Imperatriz Eterna.
O nosso jovem
herói subiu as escadas apressado e passou pela bela filha rebelde com a qual
trocou apenas um olhar, sobre o qual haveria muito a dizer, mas que em si já
resumia tudo a ser dito. Ela o seguiu apressada e o tomou pelo braço,
conduzindo-o a um quarto escuro, silencioso e de temperatura agradabilíssima,
em contraste àquela experimentada no exterior do palácio. Ela sorriu e ele com
os olhos banhados em lágrimas; mas essas eram lágrimas de alegria, carregadas
com todo o amor que ele poderia experimentar e dar em toda a sua existência. Viajara
por inúmeras galáxias, com algumas poucas moedas em seu bolso, para ter diante
de si, a mais bela e mais valiosa de todas as imagens, fruto de um amor entre
um pobre exilado e uma filha rebelde e igualmente exilada; ali estava diante do
jovem viajante espacial, a mais bela estrela de todos os universos conhecidos,
consubstanciada em um bebê frágil e indefeso: a sua filha querida.
Feliz dia dos
Pais! Deste e de todos os universos.