[...]
O ribombar
continuava e o tropel o acompanhava, ritmados e aterradores e acabei me
convencendo que só poderiam vir daquela plantação de milho à minha frente. E
convencido da iminência de um exército a se descortinar em meio àquele mar
verde, consegui forças para arrastar o fuzil para mais próximo de mim. Não mais
que isso. A esperança de poder empunhá-lo mais uma vez era apenas mais uma de
minhas tentativas vãs de afastar a idéia de que a morte já me abraçava,
independente de uma cavalaria que passaria e se encaminharia à mata às minhas
costas a fim de alcançar o rio, certamente a despeito de minha presença, pois
deveria já me assemelhar a um cadáver.
Estranhamente
ainda havia forças.
As pálpebras
antes pesadas, agora se abriam, num arregalar de olhos aterrorizado, enquanto
os tambores ressoavam e o tropel continuava. Quanto tempo eu deveria provar
daquela agonia até o momento em que todo aquele som se revelaria como um
exército a marchar para a guerra e um tiro de misericórdia me retiraria o pouco
de vida que ainda me restara?
Aos poucos
comecei a divisar naquela plantação vultos que subiam e desciam rapidamente,
como que se aproximassem aos pulos, cada vez mais perto, assim como o som que
aumentava, não mais parado, mas se movimentando em minha direção. Vários e
vários pontos subiam e desciam rapidamente em meio ao verde daquele milharal em
toda a sua extensão. A cavalaria era, então, enorme, uma horda de incontáveis
inimigos se descortinaria diante de mim. Mas de onde vinham? Desceram os morros
atrás da plantação? Como, se eu não os vira? Ou estavam ocultados ali à
espreita de algo?
O ribombar dos
tambores agora se tornara o único som audível naquela paisagem, quebrado apenas
pelo tropel que se fazia cada vez mais alto em cada intervalo entre um martelar
e outro nos tambores. Os pássaros não fugiam daquele som. Continuavam a voar e
a pousar próximos a mim como se nada mais estivesse acontecendo. Pensava que a
guerra finalmente me enlouquecera ou que os devaneios de um corpo e mente que
se entregam à morte estivessem brincando comigo. Mas continuava atento ao que
poderia sair de dentro daquele milharal.
Senti a
respiração aumentar e o coração acelerar, como quando me via diante de uma
batalha. Talvez fosse o sinal de que tudo aquilo ali era realidade.
De repente,
trombetas ecoaram ainda mais altas que o ribombar ritmado dos tambores num som
tão longo e límpido que poderia muito bem ter sido tocadas por anjos, mas que
naquele momento apenas me faziam temer ainda mais o que estaria por vir. E,
tocadas as trombetas, todo o som que vinha da plantação cessou e foi
substituído novamente pela cachoeira às minhas costas e pela algazarra dos
pássaros.
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