domingo, 23 de junho de 2013

Carta de um revolucionário



Querida Maria,


Nessas linhas singelas venho expressar a minha saudade e peço-lhe logo desculpas pelo tempo em que não lhe envio uma notícia sequer. É triste admitir, mas o tempo exíguo que nos é concedido nesses dias modernos tem nos tornado frios e distantes.
Acredito que nesse momento esteja tentando entender o porquê de eu ter lhe escrito uma carta ao invés de um telefonema ou mesmo um e-mail. A verdade é que esse seu irmão sempre foi um apaixonado pelos costumes antigos, as belas expressões de sentimento e carinho, e nada melhor que uma carta escrita a próprio punho, o entrelaçar das linhas de tinta sobre o papel fazendo nascer letras e a externar os pensamentos, as memórias, os doces sentimentos.
Entretanto, querida Maria, escrevo hoje para apaziguar o seu coração e, sobretudo, o coração de nossos pais.
Primeiramente, adianto-lhes que estou bem e que gozo da mais perfeita saúde. O único mal que me aflige é a saudade que sinto de nossas tardes à varanda conversando sobre política, economia, filmes, livros, e tudo que há de mais “intelectual”.
Mas sem muitos rodeios, vamos ao que de mais importante devo externar nessa folha de papel cuidadosamente arrancada do meu caderno de Filosofia Jurídica, a qual não fará a mínima falta em minhas aulas de sexta-feira, afinal, como um filósofo eu sou um ótimo cozinheiro.
Os jornais têm feito imensa cobertura do que acontece por todo o país, mas sinto-me na obrigação de colocar a você e a nossos pais a par de tudo que acontece hoje, pelo menos, daquilo que acontece próximo a mim, sob o olhar de alguém do povo, obviamente parcial, mas livre de opiniões compradas.
O país está em convulsão e por todos os cantos ouvimos os gritos contra a corrupção e contra toda a corja de bandidos engravatados que se reúnem em torno de um único objetivo: se locupletar às custas do dinheiro público; dinheiro esse arrancado dos nossos bolsos e de nossos compatriotas. Por todo lado levantam-se bandeiras contra o câncer que toma conta de nossa sociedade, escondido atrás do sorriso falso de propagadores de múltiplas falácias, das alianças feitas entre nossos políticos e os grandes empresários, adoradores de Baco, vivendo de orgias e de escândalos financiados por nosso suor e sangue.
Esse gigante, querida Maria, esse nosso lindo país arde em febre, treme e se contorce em berço esplêndido.
E como dói, minha querida irmã, ver o mal corroer o nosso organismo, corromper nossos pensamentos e nos fazer chorar e gritar de dor em hospitais abarrotados de doentes e de desvios de verba! Sim, os nossos hospitais pululam de pobres miseráveis deitados em corredores, vomitando suas entranhas, nas quais escorregam médicos mal remunerados e auxiliares de enfermagem a prescrever receitas como se médicos fossem.
Esse é o nosso país.
Mas essa horda de políticos mal intencionados agora se vê acuada em seus gabinetes luxuosos, rodeada por seu pomposo exército de bajuladores, enquanto o povo vai às ruas e grita palavras de ordem. Diversas são as reivindicações, porque diversas são as mazelas. O nosso país padece de diversos males e em sua grande parte, senão em sua inteireza, advindo das ações de nossos pseudo-representantes. Devo indagar: a quem representam esses tão odiados senhores e senhoras que indiretamente tem matado milhões de brasileiros? Vivem às custas da doença de nosso povo, dos horrores aos quais estão sujeitos os nossos irmãos nas favelas e nos grandes rincões desse torrão abandonado e tão maltratado que é o nosso país.
Querida irmã! Faço parte da revolta que se instaura em todo canto desse país. Faço parte dos jovens que têm saído às ruas a entoar nosso hino nacional, a fazer tremular a bandeira de cores verde, amarela, azul e branca, em meio a tantas outras bandeiras, que se erguem imponentes contrastando com a nuvem branca das bombas de efeito moral que fazem chover sobre nossas cabeças.
Tenho olhado direto nos olhos do monstro hobbesiano, que tenta nos inebriar com o cheiro de seu hálito podre, repleto de seus discursos vazios e de suas falsas promessas. Tenho em meu corpo as marcas que me infligiram seus lacaios. Mas a dor que sinto em meu corpo castigado não é maior que a dor que toma conta de minha alma.
O cheiro de liberdade nas ruas, diante dessa falsa democracia, logo se vê suprimido pelo cheiro de gás lacrimogênio e do spray de pimenta.
Nossos irmãos se vestem de Estado e nos atacam como se atacassem a um inimigo feroz. Estamos armados apenas pela indignação, pelo amor por nosso povo, pelo sonho de um país melhor, e marchamos pelas ruas de nossas cidades empunhando bandeiras e ideais. Mas os nossos governantes, aqueles mesmo que sobem aos palanques e propagam seus discursos eleitoreiros, nos vêem como Dom Quixote frente aos moinhos de vento numa luta inútil contra um inimigo inexistente. Não! Ele existe e está aí a propagandear o tão maquiado crescimento de nossa economia e a lúdica ascensão de nossos miseráveis à classe média. Queremos que nos vejam como povo soberano frente a eles, os responsáveis por concretizar a nossa vontade, o que obviamente não consiste na banalização da vida alheia, do subjugo dos mais fracos, da institucionalização de preconceitos, da promoção da blindagem aos corruptos.
Querida irmã, enquanto chovem bombas sobre o povo de bem, nossos representantes se banqueteiam de nossa carne, de nossas almas.
Enquanto nós lutamos nas ruas, eles assistem aos jogos em seus palácios cravejados de diamantes.
Peço-lhe irmã, que me deseje coragem e que ore por mim, pois a luta deve continuar, assim como o nosso espírito de mudança. Peço-lhe ainda, minha querida irmã, que tranqüilize nossos pais, porque se luto é porque tenho a convicção de que faço o certo e não quero continuar a ver meu povo morrer em hospitais, os nossos adolescentes semi-analfabetos e nossas ruas cheias de mendigos.
A quem interessa tanta gente ignorante, sem o mínimo de formação cultural, acrítica e passiva? Justamente a eles, irmã. Aos inimigos do povo, os nossos políticos e suas alianças escusas.
Eu lutarei, sofrerei em meio às bombas e às balas de borracha, porque esse é o meu país e não o país da Copa ou o país de Ali Baba e seus milhares de ladrões. Gritarei em meio à fumaça que esse é o povo que não mais jaz em berço esplêndido, mas se arrasta pelas trincheiras da revolução, pacífica e ordeira, que apenas se defende da ganância de nossos políticos. Gritamos “não” à chamada legitimidade da violência estatal.
O nosso país convulsiona, irmã.
Não dê ouvidos à imprensa, o status quo a é favorável.
Abraços, daquele lhe ama muito.

Ps: A repressão só me trará maior revolta e forças para marchar em meio à fumaça e às explosões.

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