sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Fragmento de "A doce inocência"



[...]Sob seus pés uma vida se dissipava numa espuma avermelhada e num chiado quase inaudível. O corpo estirado no chão, os membros retesados, os pelos eriçados e os olhos esbugalhados. Gaturino dava adeus ao mundo, dolorosa e lentamente, as garras a mostra e a barriga inchada, e a garotinha sorria, embalada pela cena, extasiada com o espetáculo. Pobre animalzinho! A primeira vítima fatal das maldades daquela pestinha personificada.
De repente, um grito:
- Menina, o que você fez?
- Eu?
- Sim, você. – falou a mãe, tentando conter o nervosismo.
- Nada. Ele tomou porque quis.
- O que? O que o Gaturino tomou?
- Eu falei no ouvido dele, mamãe. Avisei que não era coisa boa. Mas ele nem prestou atenção. Foi lá e bebeu.
- Responde, menina. O que ele tomou?
- Leite em pó. Aquele que você me disse para não mexer.
- E você mexeu? – perguntou a mãe com a expressão ainda mais desesperada.
- Mexi. Derramei no leite do Gaturino.
De súbito, a mãe empalidecida agarrou a criança e levou-a até a pia, tirou suas roupas, e ali mesmo, na água fria, deu-a um banho para que tirasse qualquer resquício do veneno de ratos. Levou-a até a cozinha e a fez tomar quase um litro de leite, enquanto as crianças sem entender nada observavam a cena, umas rindo às gargalhadas e as maiores chorando. Naquela tarde o pai comeria arroz queimado. A mulher, sem conseguir proferir qualquer palavra, esquecera-se do resto do mundo ao redor, enquanto orava e fazia com que a garota orasse ao seu anjo da guarda, e esta o fazia aos prantos. Tornara-se aquilo tudo uma via sacra, sempre acompanhada de perto pelas outras crianças da casa.[...]

Mais um fragmento de um pequeno texto despretencioso. Gosto dele.

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